A Doutrina Social Democrata
- Origem
Trabalho infantil em fábrica |
O contexto da revolução industrial trouxe uma realidade de forte desigualdades social e opressão burguesa sobre a classe trabalhadora. Enquanto os donos das fábricas concentravam poder e riqueza, proporcionados pela expansão industrial, os operários não eram beneficiados por esses lucros. Ao contrário, tinham sua força de trabalho explorada por preços aviltantes. A cruel situação vivida pelos trabalhadores incluía o emprego de crianças e adolescentes em condições sub-humanas.
Karl Marx |
Em reação a essa realidade, os operários passaram a se organizar em sindicatos na busca por melhores condições de vida. Neste contexto, foi lançado o Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx, que conclamou os trabalhadores a se unirem contra a exploração burguesa e fundar uma nova sociedade, baseada no igualitarismo. Essa sociedade almejada seria construída a partir da derrubada do sistema capitalista, sendo substituído pelo socialismo.
Cartaz de campanha eleitoral do SPD |
Assim, os marxistas dividiram-se basicamente em dois grupos: os que defendiam a construção do socialismo através de uma revolução proletária; e os que acreditavam que os trabalhadores deveriam se organizar em partidos políticos e disputar eleições, fazendo reformas no Estado até que se chegasse ao socialismo.
O primeiro grupo ficou conhecido como o dos socialistas revolucionários e o segundo como socialistas reformistas, ou social-democratas.
- Pré-Guerra
A social-democracia desenvolveu-se principalmente na Europa, tendo como principais referências Karl Kautsky (1854-1938) e Eduard Bernstein (1850-1932), ambos militantes do Partido Social-Democrata Alemão (SPD).
Eduard Bernstein |
Nos primeiros anos do século XX, a social-democracia ganhou bastante espaço no plano político europeu, tendo o SPD chegado ao poder na Alemanha.
- Pós-Guerra
Após a 2º Guerra Mundial, os países europeus – arrasados pela guerra – passaram por graves dificuldades econômicas e sociais. Foi necessário um grande trabalho de reconstrução desses Estados. Assim, sob governos social-democratas, foi instituída uma ampla política de assistência social, tendo o Estado como grande agente de desenvolvimento nacional.
Neste período, (tendo em vista a ditadura soviética e os ataques aos direitos humanos) a social-democracia rompeu com marxismo (isto é, a social-democracia deixou de ser uma força que buscava reformar o Estado para chegar ao socialismo) e reconheceu o sistema capitalista como o mais adequado para promover o desenvolvimento econômico e social, desde que sob o controle do Estado, já que, por si só, o capitalismo gera exclusão e desigualdade.
Olof Palme, Primeiro Ministro da Suécia |
Essa política ficou conhecida como “welfare state”, ou Estado do Bem-Estar Social (ou ainda social-democracia tradicional), em que o poder estatal intervinha fortemente no plano econômico e social para garantir o bem geral do povo. Sua principal referência é o ex-primeiro ministro sueco Olof Palme e os países escandinavos são os melhores exemplos desta política, tendo melhorado extraordinariamente as condições de vida de suas populações.
Contudo, a partir do início da década de 1980 – após a crise do petróleo, tornou-se (em virtude da crise econômica mundial) financeiramente inviável para os Estados manterem essa estrutura de garantia social. O Estado passou a não ser mais capaz de manter o bom atendimento à população e ser o indutor do desenvolvimento econômico: sua capacidade havia exaurido.
- A Terceira Via
Com a crise do modelo do bem-estar social, os partidos social-democratas da Europa perderam espaço político para grupos de direita, principalmente os adeptos do liberalismo (os quais defendem a intervenção mínima do Estado na economia).
Em resposta a esse enfraquecimento, a social-democracia reformulou seu ideário, buscando se adequar à nova realidade mundial, bastante alterada com o fim da URSS e da guerra fria. Surgiu então a chamada “terceira via”, ou social-democracia contemporânea, que tem como principal artífice o sociólogo inglês Anthony Giddens.
Em resumo, a “terceira via” defende:
- o “Estado necessário”, isto é, rejeita o Estado totalitário do socialismo e o Estado mínimo dos liberais, mas busca um Estado flexível, que possa se adequar à realidade sócio-econômica do país num mundo em transformação. Um Estado eficiente, enfim. É daqui o conhecido lema “mais governo, menos Estado”;
- a prevalência do trabalho sobre o capital financeiro, devendo o Estado promover uma ampla rede de proteção social para os trabalhadores.
- o protagonismo da sociedade, e não do Estado. Por isso, estimula a organização dos cidadãos em associações, sindicatos, ONGs e a criação de meios de controle social do Estado, como as agências reguladoras (ANATEL, ANEEL etc.).- o “Estado necessário”, isto é, rejeita o Estado totalitário do socialismo e o Estado mínimo dos liberais, mas busca um Estado flexível, que possa se adequar à realidade sócio-econômica do país num mundo em transformação. Um Estado eficiente, enfim. É daqui o conhecido lema “mais governo, menos Estado”;
- a prevalência do trabalho sobre o capital financeiro, devendo o Estado promover uma ampla rede de proteção social para os trabalhadores.
- uma economia socialmente justa e ambientalmente equilibrada e sustentável. Uma sociedade fraterna, sem discriminação de qualquer gênero e o respeito à diversidade.
- a democracia como valor fundamental da sociedade, rejeitando todo o tipo de autoritarismo e opressão.
- Direita ou Esquerda?
Norberto Bobbio[1] diz que "ser de esquerda é estar preocupado com a redução da desigualdade - definindo de forma mais positiva, com a busca da justiça social. Outros valores de esquerda, como a cooperação social e a proteção dos fracos, originam-se desta eterna preocupação". Afirma Anthony Giddens[2] que "neste sentido, a política da terceira via é inequivocamente uma política de esquerda".
No mesmo sentido, Fernando Henrique Cardoso[3] defende que "se esquerda significa ser contra a ordem social existente, e direita a favor, a social-democracia é sem dúvida uma corrente de esquerda. Um social-democrata é antes de tudo alguém que tem senso crítico - que percebe as injustiças da sociedade e não tem medo de se opor a elas, mesmo correndo o risco de passar por subversivo ou sonhador. Ser 'de esquerda', neste sentido, é o mesmo que ser 'progressista'. É acreditar que tudo na vida muda, se transforma, e que é melhor ajudar conscientemente a mudança do que ficar parado no tempo, agarrado aos privilégios, à ideologia, às conveniências políticas, enfim, a tudo o que faz as pessoas 'de direita'defenderem a ordem estabelecida apesar das injustiças, da miséria e da violência que ela produz."
Porém, não se deve confundir a social-democracia com a esquerda tradicional. Diz Fernando Henrique Cardoso[4] que "social-democracia significa mudanças com liberdade. Se por revolução se entende mudança do regime político e social por meio da violência, a social-democracia não é, decididamente, um movimento revolucionário". Assim, a "terceira via" é a esquerda moderna, aberta às transformações do complexo mundo globalizado.
- Brasil
A social-democracia é uma ideologia relativamente nova no Brasil. Apesar de ter existido o Partido Social Democrático entre 1946 e 1964, nem de longe se pode afirmar que esta agremiação defendeu a social-democracia, visto que era uma força ligada principalmente aos latifundiários.
Na verdade, a social-democracia apenas chegou ao Brasil de fato em 1988, com a fundação do PSDB, legítimo representante da “terceira via” em nosso país.
- Mundo
A social-democracia contemporânea é defendida pelo Partido Socialista (PS) em Portugal, tendo como líder José Sócrates; pelo SPD, na Alemanha, através de Gerard Schroeder; pelo Partido Socialista espanhol, com José Maria Aznár; pelo Partido Socialista italiano, com Romano Prodi; pelo Partido Trabalhista inglês (Labour Party), tendo como referências Anthony Giddens, Tony Blair e Gordon Brown; e até pelo Partido Democrata dos EUA, com Bill Clinton.
Texto por Victor Picanço
Referências:
[1]GIDDENS, Anthony. A Terceira Via e Seus Críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 46
[2]GIDDENS, Anthony. A Terceira Via e Seus Críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 46
[3]CARDOSO, Fernando Henrique. A Social-Democracia: o que é, o que propõe para o Brasil. São Paulo: Escritório Político do Senador Fernando Henrique Cardoso, 1990, p. 6.
[4]CARDOSO, Fernando Henrique. A Social-Democracia: o que é, o que propõe para o Brasil. São Paulo: Escritório Político do Senador Fernando Henrique Cardoso, 1990, p. 8.
Referências:
[1]GIDDENS, Anthony. A Terceira Via e Seus Críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 46
[2]GIDDENS, Anthony. A Terceira Via e Seus Críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 46
[3]CARDOSO, Fernando Henrique. A Social-Democracia: o que é, o que propõe para o Brasil. São Paulo: Escritório Político do Senador Fernando Henrique Cardoso, 1990, p. 6.
[4]CARDOSO, Fernando Henrique. A Social-Democracia: o que é, o que propõe para o Brasil. São Paulo: Escritório Político do Senador Fernando Henrique Cardoso, 1990, p. 8.