domingo, 14 de fevereiro de 2010

O desastroso PNDH 3

A luta pelos Direitos Humanos é uma bandeira importante do PSDB.
Logo no início de seu primeiro mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso confiou a um dos mais respeitados integrantes de sua equipe, o advogado José Gregori, a tarefa de coordenar o primeiro Programa Nacional dos Direitos Humanos, oficializado em 1966.
Experimentado batalhador daquela causa, Gregori, também co-autor da lei nº 9140/1995, que trata da questão dos desparecidos políticos, imprimiu ao PNDH 1 a amplitude exigida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é um dos signatários, contemplando seus três princípios básicos e igualmente importantes: universalidade, indivisibilidade e interdependência.
À luz da Declaração Universal, pouco adianta o país dispor de um estatuto avançado em termos de direitos políticos e civis se as suas políticas públicas não contemplam questões como a do saneamento básico, essenciais à saúde e à vida da população e, em particular, dos segmentos mais pobres.
Ainda ao governo FHC se devem avanços importantes como a inclusão no PNDH 2, de 2002, do apoio à parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e do aborto como tema de saúde pública.
Esta última diretriz inverteu os procedimentos observados no atendimento à mulher envolvida em situação de abortamento, estabelecendo que o atendimento médico de que necessita deve preceder qualquer medida de natureza policial.
Infelizmente, muitas das diretrizes contempladas naqueles dois Programas não tiveram aplicação prática, por falta da legislação ordinária e mesmo das medidas administrativas que deveriam concretizar seus objetivos.
No governo Lula, por exemplo, muito se falou e pouco se fez no sentido de verificar o que ocorreu com mais de 140 pessoas enquadradas na condição de desaparecidas, às quais deveriam ser aplicados os dispositivos da Lei José Gregori.
A diferença entre os PNDHs do governo FHC e o extenso PNDH 3 do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que, naqueles documentos, se evitou a tentativa de incluir, de modo abrupto, na legislação do País, medidas em torno das quais existe profunda divisão na opinião pública brasileira e, inclusive, entre os juristas.
Exemplo disso é a descriminalização do aborto, contemplada no PNDH 3. O abortamento resulta, de maneira inevitável, na supressão do direito à vida do embrião.
A essa possibilidade se opõem eminentes cientistas do Direito, como o primeiro Procurador-Geral da República do governo Lula, Claudio Fonteles. Político experimentado, o saudoso ex-governador de São Paulo, Mário Covas, costumava dizer que decisão em matéria tão melindrosa exige prévia consulta à opinião pública por meio de um plebiscito.
Questões não menos ásperas, cuja resolução num sentido ou noutro envolve longas discussões e exige a construção de consensos difíceis de serem estruturados, são as relativas ao controle da mídia e às providências legais que implicam a supressão de lei da anistia.
Há pouco, tivemos a prisão de um ex-deputado à Assembléia Legislativa do Amazonas, que paralelamente à política exercia as funções de produtor de um programa radiofônico sobre ocorrências criminais.
À míngua de assassinatos reais que pudessem denunciar como exemplos da falta de segurança na capital amazonense, ele delegara à sua produção a tarefa de encomendar tais mortes a matadores de aluguel que se desdobravam para que não faltassem mortes misteriosas a serem abordadas pelo noticiarista.
Ainda que excepcional, o caso evidencia a necessidade da observância de um mínimo ético elevado por parte das emissoras que veiculam tais programas.
A busca de tais parâmetros há que se fazer com urgência, mas por meios e modos que não violem o direito que tem a imprensa de investigar, denunciar e criticar abusos da autoridade.
Incluir esse tema num programa por natureza muito amplo, como o PNDH 3, seguramente não facilita a definição de tais providências.
Ampliar o acesso dos cidadãos aos documentos e arquivos governamentais que possam esclarecer o fim das pessoas que, quinze após a Lei José Gregori, permanecem desaparecidas, é uma resposta necessária do Estado aos pais, viúvas e filhos que sofrem na dúvida, garantindo, enfim, a estes, o direito de chorar seus mortos.
O esclarecimento dos fatos daquele momento infeliz de nosso passado recente, que ainda permanecem nas sombras, será suficiente para produzir o efeito catártico e libertador que se deseja.
A partir disso, as retificações históricas virão naturalmente.
Ao presidente da República cabe arbitrar e imprimir os contornos definitivos a essa discussão e, não menos importante, proibir seus assessores diretos de, em sua ausência do País, se engalfinhar em escaramuças verbais mais propícias a reviver ódios adormecidos que a assegurar o direito à memória, objetivo declarado do PNDH 3.

Antonio Carlos Pannunzio é deputado federal pelo PSDB-SP

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