Publicado em O Globo em 10/6/2011
José Serra |
Algumas pessoas não se desfazem da roupa que saiu de moda; guardam-na até que um dia ela entre na moda de novo. Parece que algo assim aconteceu com o programa Fome Zero. Ele foi lançado com grande foguetório no começo do governo Lula, como se fosse a salvação da população pobre do Brasil e até do mundo. Mas não emplacou, sem que ninguém fosse informado por quê. Oito anos depois, eis que ressurge do esquecimento com um novo nome, “Brasil sem Miséria”, num relançamento que também deveria ter sido retumbante. Mas não foi, ou porque o tema já não está tão na moda ou porque o “programa” é só um improviso — ou as duas coisas. Foi tirado da cartola para desviar a atenção da crise que envolvia o então ministro Antonio Palocci.
Nada contra, tudo a favor, o reuso e reciclagem de resíduos sólidos. Mas, em se tratando de políticas públicas, a boa prática está em avaliar e ajustar programas. Com o Fome Zero, não houve nem uma coisa nem outra porque, acima de tudo, faltou execução. Ficou só no nome, que fez sucesso no Brasil e, principalmente, no exterior. É o programa que foi aplaudido sem nunca ter existido. Suas múltiplas ações e metas, divididas em quatro eixos — acesso a alimentos; fortalecimento da agricultura familiar; geração de renda e articulação, mobilização e controle social — pouco saíram do papel. Agora, no “Brasil sem Miséria”, aqueles quatro eixos viraram três, com outros nomes: renda, inclusão produtiva e serviços públicos. As ações e metas, no entanto, são semelhantes.
Vejamos o caso das famosas cisternas. Do 1 milhão prometido pelo Fome Zero, foram construídas 350 mil em oito anos – pouco mais de um terço. O “Brasil sem Miséria” promete construir as 750 mil que ficaram faltando da promessa de 2003! Diga-se de passagem, essas cisternas são, além de virtuais, itinerantes: também já fizeram parte das metas do PAC.
Onde não reusa promessas esquecidas, o novo programa, à moda do PAC, recicla com nova embalagem de marketing ações em andamento. Muitas delas não foram nem sequer iniciadas no governo do PT. É o caso do programa de apoio à agricultura familiar (Pronaf), do programa de microcrédito com assistência técnica (Proger) e do próprio Bolsa Família, que foi a unificação dos programas de transferência de renda criados pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
A propósito: seria importante que o “novo” programa de combate à miséria dissesse algo sobre o fato de as condicionalidades previstas na lei de 2004, que criou o Bolsa Família, não terem sido levadas à sério. Alguém sabe, como requer a lei, se a freqüência dos alunos à escola está sendo verificada, se as futuras mães estão fazendo acompanhamento pré-natal e se as crianças estão sendo vacinadas? Estão sendo cumpridos o monitoramento, a avaliação e a articulação do Bolsa Família com as demais políticas sociais do governo federal, como cursos de formação profissional? Essas são exigências legais inegociáveis.
Cabe registrar, para ser justo, duas novas medidas anunciadas agora, supondo que saiam do papel: a concessão da Bolsa Verde e o aumento do número de filhos com direito ao benefício do Bolsa-Família, cujo limite passa de 3 para 5. O governo federal fica devendo, porém, dentre muitas promessas de campanha, a coisa mais importante: o atendimento a todas as famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, o que corresponde ao dobro do valor estabelecido pelo Brasil sem Miséria. Afinal, depois de oito anos do governo Lula, há mais de 16 milhões de brasileiros que vivem em situação de miséria extrema.
No cômputo final, descontado o oba-oba publicitário de praxe, convenhamos: o novo programa, que não é novo, é pouco para reanimar um começo de governo cuja principal marca é a hesitação. Ou, se quiserem, é não saber o que quer nem para onde vai.
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