José Serra |
Tenho insistido bastante nos reparos ao projeto do trem-bala, que ligaria São Paulo e Rio de Janeiro. Custaria uns 65 bilhões de reais (o dobro do que o governo anunciou), só serviria a passageiros, não há demanda que o justifique, e, principalmente, existem muitíssimas outras prioridades, na região e no Brasil. Por exemplo, na área dos transportes urbanos sobre trilhos, nas grandes cidades, ou dos transportes ferroviários de carga, por todo o país. Já escrevi sobre isso neste site (nos artigos Um trem alucinado, O Desenvolvimento Adiado e A pior ideologia é a incompetência), no twitter e no facebook. O trem bala nasceu como idéia eleitoral – para funcionar já na Copa do Mundo – e virou um capricho bilionário – que só ficaria concluído em 2020.
Lembrem que o projeto foi apresentado como sem custo para os contribuintes, pois o setor privado bancaria tudo. Isso é falso. Mas, mesmo se dispondo a por recursos próprios e dar pesados subsídios aos empresários, o governo não tem conseguido fazer o projeto andar, diante da falta de interessados. Depois do fracasso do último leião, o Planalto mudou, então, sua estratégia, dividindo o projeto em três etapas e anunciando licitações para cada uma delas.
Não vou detalhar aqui agora a confusão e os aspectos obscuros que permeiam o novo modelo. Basta mencionar dois pontos mais claros. Em primeiro lugar, o governo se dispõe a bancar as receitas futuras do trem-bala: ou seja, se não houver número de passageiros suficiente, os leitores (e não leitores) de todo o Brasil pagarão a conta, remunerando as empresas que operarão o serviço, mesmo sem nunca chegarem perto desse trem. Dá para acreditar?
Em segundo lugar, depois de três anos do anúncio do trem-bala, o governo acaba de dizer que irá elaborar o projeto executivo da obra. Como afirmou um funcionário da Agência Nacional de Transportes Terrestres, decidiu-se não exigir que os consórcios privados interessados (sic) entregassem, “logo de cara”, um projeto executivo da obra. Pondera o funcionário ao jornal Valor Econômico: “Quem iria injetar mais R$ 500 milhões em um estudo detalhado como esse sem saber se vai ganhar o leilão? Não tem jeito, o governo tem que assumir esse custo.”
Não é fenomenal? O governo ia promover um leilão sem ter uma ideia mais concreta sobre como seria o trem-bala, pois não dispunha de um projeto executivo. Aprendeu agora, depois de anos, que precisa ele próprio fazer o projeto, antes das licitações. Tem razão, sem dúvida. Mas quem assume a responsabilidade pelo erro anterior?
Diga-se que o custo do projeto executivo é altíssimo: são 540 milhões de reais, a serem pagos pelos contribuintes. Aliás, para variar, esse custo está sendo subestimado em pelos menos 20%. Só resta, de fato, um pequeno consolo, mínimo, mas real: a elaboração do projeto executivo demorará um ano, segundo o governo, ou seja, pelo padrão de funcionamento do poder federal, não menos de uns 18 meses, se tudo andar depressa. Quem sabe até lá ocorra um acesso de sensatez em Brasília, e, mesmo lamentando os gastos inúteis já feitos, fiquemos livres dessa alucinação ferroviária?
Fonte: Site do José Serra
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